terça-feira, 25 de março de 2025
Coisinhas bonitas na mesa
domingo, 23 de março de 2025
Resenha: Mito e Realidade de Mircea Eliade
Como havia comentado no meu post anterior, ando fazendo leituras direcionadas ao desenvolvimento do meu projeto para o mestrado. Também havia mencionado este livro do Eliade, que tinha comprado no sebo mês passado. Fiquei super feliz de já ter lido dois dos três livros que comprei nesse dia, haha. Dá uma sensação de dinheiro bem gasto! E foi mesmo: baita livro!
Foi meu primeiro contato com o autor que, até então, eu só conhecia de nome. Sabia que ele tinha trabalhos significantes no assunto Ciência das Religiões, mas agora que tive contato com um de seus livros pude entender a grandiosidade de seus estudos.
Em Mito e Realidade, o autor romeno nos concede um conceito satisfatório para a ideia de mito e nos apresenta alguns conceitos e questionamentos basilares no que diz respeito à estrutura dos mitos, do pensamento e do comportamento mitológico ao longo da História.
O Mircea Eliade, em vários momentos, deixa transparecer (posso estar errada) que possui uma ideia mais universalista de mitologia no sentido de que ele enxerga várias compatibilidades entre diferentes mitologias dispostas no tempo e espaço, ou seja, ele rastreia características comuns e aproximações entre diversos sistemas mitológicos ao redor do mundo.
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Meu capítulo favorito foi o VIII: Grandeza e Decadência dos Mitos. |
Durante um bom tempo eu tive dificuldade em entender a diferença entre mitologia & religião e isso porque ambos conceitos nos são apresentados como sinônimos no Ensino Básico. Acontece que a questão não é tão simples quanto parece. O Eliade não comenta sobre isso em Mito e Realidade (pode ser que comente em outra obra), mas outro livro que gosto muito trata do assunto sutilmente: O Homem Eterno, do G.K. Chesterton. Vale dizer que, apesar das similaridades temáticas, ambos livros têm intuitos diferentes: aquele pretende assumir um tom mais acadêmico enquanto este é mais apologético, portanto precisamos compará-los com ressalvas. Como disse: ambos possuem similaridades e em O Homem Eterno, o Chesterton comenta em algumas páginas as diferenças entre mitologia & religião:
Eles [os mitos] satisfazem algumas das necessidades de uma religião, principalmente a necessidade de fazer certas coisas em certas datas, a necessidade das ideias gêmeas de festividade e formalidade. Mas, embora deem ao homem um calendário, não lhe dão um credo. (...) Muitos acreditaram em alguns mitos e não em outros, ou mais em alguns e menos em outros, ou então em qualquer um deles, mas apenas num sentido poético muito vago.
Enfim, acabei entendendo que os mitos não são sistematizados suficientemente como as religiões. Grande parte das mitologias é composta por um arcabouço de mitos maleáveis ao longo do tempo e espaço.
Voltando ao livro em questão, deu para perceber que para uma apreensão mais completa do trabalho e das teorias do autor seria preciso ler outras obras das quais ele constantemente cita ao decorrer do livro. Fiquei com muita curiosidade e já coloquei as demais obras na minha lista de futuras compras.
Uma dessas teorias que aparece frequentemente neste livro é a do Eterno Retorno que é explorada e exposta em outro livro de mesmo nome: O Mito do Eterno Retorno (1949). Aqui, em Mito e Realidade, o autor dá umas pinceladas no assunto que tanto me interessa. Dentro da História, no campo de Teoria da História, lidamos com as Filosofias da História que são teorias que visam conceder um sentido teleológico para história, ou seja: para onde a história está nos levando? E qual é o fim dela? Santo Agostinho inaugura esse campo teórico e especulativo com a sua obra monumental A Cidade de Deus.
Dentro da comunidade historiográfica essas Filosofias da História acabaram caindo em descrédito por várias razões mas principalmente por acreditarem que estas teorias pertenciam mais ao campo da opinião do que ao campo da ciência (no séc. XIX essa dualidade era muito latente). Vejo esse desprezo como um reflexo da ruptura temporal que assombra as mentes modernas já que não há desejo de continuidade temporal: atualmente quase nunca se olha para o passado.
Porém, como disse, é realmente um fenômeno fruto da mentalidade moderna ocidental e o Eliade nos mostra isso ao recorrer várias vezes à concepção do tempo e da História do homem imerso no pensamento mitológico onde, para este tipo de homem, o tempo é algo reversível: os mitos e a recitação destes permitem uma espécie de volta no tempo. Essa predominância da ciclicidade temporal acaba sendo interrompida com o advento da linearidade presente no judaísmo e posteriormente herdada pelo cristianismo: agora a História é dotada de início, meio e fim. Ao que parece, grande parte das mitologias não se preocupa tanto com o fim da História, com a escatologia. Essa importância passa a ganhar espaço com o advento da religião mosaica.
Mas o judeu-cristianismo apresenta uma inovação capital. O Fim do Mundo será único, assim como a cosmogonia foi única. (...) O Tempo não é mais o Tempo circular do Eterno Retorno, mas um Tempo linear e irreversível. Mais ainda: a escatologia representa igualmente o triunfo de uma Santa História. (p. 62)
O Eliade também comenta sobre a existência geral da ideia de "perfeição das origens" que pode ser rastreada nas mais variadas culturas. Essa ideia transparece com evidência no comportamento religioso e mitológico: existe uma reverência para com o passado, mais precisamente, para com a origem de tudo:
A renovação ritual da ordem, um dos elementos simbólicos desenvolvidos dentro das civilizações cosmológicas, por exemplo, atravessa toda a história da humanidade (...) porque a queda da ordem da existência e o retorno dessa ordem constituem um problema fundamental da existência humana. (p.50)
E é justamente desta ideia que surge, por exemplo, o Mito das 5 Idades do Hesíodo que buscava tentar explicar a degradação do Homem.
Acredito que muitas pessoas que têm contato com mitologia grega já tenham se deparado com alguma frase do tipo: "os gregos não acreditam mais em seus mitos" ou, mais precisamente: "As religiões da Grécia Antiga desapareceram. As chamadas divindades do Olimpo não têm mais um só homem que as cultue, entre os vivos" como escreve o Thomas Bulfinch logo na primeira frase de sua obra O Livro de Ouro da Mitologia. Mas, tá... e aí? Como isso aconteceu? Como uma civilização inteira passa a desacreditar em sua própria mitologia?
O Eliade dá uma boa pincelada neste assunto e já começa o livro citando Xenófanes (c. 565-470 a.C), o primeiro filósofo a enfrentar o politeísmo grego da época. A partir daí, os mitos passaram a se despojar progressivamente o mythos de seu valor religioso e metafísico.
Fica bem claro que esse processo tem relação com o advento da Filosofia, tema este que até comentei brevemente no post passado aqui do Blog. Os primeiros filosofos passam a dar mais crédito ao entendimento de uma "'situação primoridial' que precedeu a história." Agora o foco era buscar tentar entender a fonte, o princípio, a arché, aquilo que sustentava todas as coisas. O homem passa, progressivamente, a se ver como centro do Cosmo, como centro da Criação. Agora a necessidade era de entender o mistério do aparecimento do Ser.
Enfim, queria comentar sobre outras questões marcantes do livro, mas percebi que essa resenha está ficando gigante. Espero poder ler mais Mircea Eliade para poder continuar a escrever sobre esses assuntos interessantíssimos.
Até mais!
domingo, 9 de março de 2025
Notas sobre a Grécia Antiga: geografia, mitologia e leituras do momento
Ainda não tenho o que atualizar no diário de preparação para o mestrado, mas queria compartilhar algumas coisas legais que tenho aprendido na busca pelo tema do meu projeto. Como comentei, minha inclinação inicial me leva para a Grécia Antiga, mas o meu interesse mesmo é a civilização greco-romana/ocidental como um todo. De qualquer forma, vamos iniciar pelo começo, não é mesmo? Até porque essa nomenclatura abrange milênios (rindo de nervoso).
Estou revendo meus estudos sobre a Grécia de quase 2 anos atrás que foi quando tive História Antiga na faculdade. Infelizmente, como quase tudo na faculdade de História, estudamos tudo muito breve e superficialmente, mas agora posso me dedicar ao aprofundamento deste recorte temporal, especificamente.
O que ando lendo:
1) Mito e Realidade, do Mircea Eliade
2) O universo, os deuses e os homens, do Jean-Pierre Vernant
3) Capítulo "O Homem e as mitologias" de O Homem Eterno, do G.K. Chesterton
4) Trechos de livros e apostilas sobre a história da Grécia
Para início de conversa: eu sou meio obcecada por mapas e não poderia deixar isso passar batido. Eu amo estudar com mapas do lado, isso amplia bastante o entendimento histórico. O mapa/a geografia da Grécia é muito interessante por vários motivos, mas diria que, principalmente, por ser um território relativamente pequeno que condensa muitas características "anormais": uma península acidentada e super montanhosa no centro; muitas ilhas minúsculas e outras consideravelmente grandes; a presença imponente de três mares diferentes.Página do meu caderno (commonplace book?)
É legal considerar que em diversos momentos da História a Geografia se impõe sobre as sociedades - suas culturas, hábitos, organizações, etc - e a história da Grécia nos mostra isso muito bem: os gregos, desde o principio, foram impulsionados para o mar, para a navegação. As cadeias montanhosas no centro da Península isolavam os assentamentos e aldeias. Os mares acabavam sendo as grandes rodovias da Grécia. Inclusive é muito interessante notar a presença da água nos mitos e nas epopeias gregas, e não é à toa que encontramos muitas divindades e entes aquáticos: Poseidon, Têtis, Ponto, Cila e por aí vai.
Outra questão que tem me gerado curiosidade desde o ano passado é uma questão que nos apresentam brevemente no Ensino Médio: o que propiciou o surgimento da Filosofia na Grécia Antiga? Quais foram os elementos presentes que possibilitaram o progressivo despojamento do pensamento mitológico? Giovanni Reale e Mircea Eliade falam sobre isso.
Acontece que, lentamente, os homens deixaram de se ver como parte do Cosmo para se enxergarem como centro do Cosmo. Os mitos cosmogônicos, sobre a origem de tudo, não bastavam mais. Era preciso "atingir a fonte primacial de onde jorrou o real, de identificar a matriz do Ser" segundo o Eliade em Mito e Realidade. Em outras palavras: os gregos passaram a desmistificar a própria mitologia, o que não significa que o pensamento mitológico foi abolido. Inclusive, há de se perguntar: o pensamento mitológico pode ser abolido da experiência humana? Alguns dizem que na modernidade isso aconteceu e eu não concordo. Só para complementar: deu para notar que o surgimento das cidades, da pólis, tem influência direta no surgimento do pensamento filosófico.
Enfim, eu não sou estudante de Filosofia, mas me interesso pelo assunto. Infelizmente eu não posso estudar isso com mais profundidade no momento, mas sem dúvidas pretendo voltar para essa questão no futuro.
Por último, queria comentar sobre o livro 2 da listinha ali de cima. Estou quase terminando e quando finalizar pretendo escrever um pouquinho sobre ele aqui no blog. Até o presente momento posso dizer que estou gostando, mas que não recomendaria não, haha. O Livro de Ouro da Mitologia segue sendo o meu favorito. Nesse livro do Vernant ele narra alguns dos mitos sob uma perspectiva mais simbólica, que me agrada muito, mas para iniciar na mitologia não considero uma boa porta de entrada. Depois falo mais sobre. Apesar das ressalvas o livro traz umas análises e leituras sobre alguns mitos, como o de Prometeu, que valem à pena serem destrinchadas.
Até mais!