quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Pequenos momentos #1 | chuva, studio ghibli e leitura da Bíblia.

Por que não eternizar alguns segundos por meio de vídeos? 


Sempre gostei de gravar pequenos vídeos para fazer compilações maiores para o Instagram, mas como venho tentando me afastar gradativamente do uso de redes sociais convencionais, acredito que seja uma boa opção postar estes vídeos no Youtube e deixá-los aqui, no blog. Eu gostei demais da experiência de editar o vídeo, é bem divertido. 

Neste primeiro eu registrei um pouco de uma manhã chuvosa, leitura da Bíblia, uma ida ao cinema e, por fim, um céu azul e lindo em uma tarde bem fresquinha.

Até breve!

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Memórias de uma manhã no Carmelo e no Mosteiro

Penso que não há forma melhor de evocar o sentimento que estas memórias me causam do que iniciando este breve relato com um trecho que tanto me agrada escrito pelo historiador Marc Bloch em sua “Apologia da História": 

O cristianismo é uma religião de historiadores. Outros sistemas religiosos fundaram suas crenças e seus ritos numa mitologia praticamente fora do tempo humano; como livros sagrados, os cristãos têm livros de história, e suas liturgias comemoram, com episódios da vida terrena de um Deus, os faustos da Igreja e dos santos. Historicamente, o cristianismo ainda está de outra forma, talvez mais profunda: colocado entre a Queda e o Julgamento, o destino da humanidade aparece, aos seus olhos, uma longa aventura, da qual cada vida individual, cada “peregrinação" particular apresenta, por sua vez, reflexão; é nesta duração, portanto, dentro da história que se desenrola, a Eixo central de toda meditação cristã, o grande drama do pecado e da redenção. A nossa arte, os nossos monumentos literários estão carregados com os ecos do passado, os nossos homens de ação incessantemente trazem à boca as suas lições, reais ou supostas. 

Acredito que esta passagem transmita uma realidade muito profunda existente no cristianismo: a de nos colocar diante do tempo a todo instante. A Igreja, por meio da liturgia, nos coloca a meditar diariamente sobre fatos históricos, sobre vidas passadas, como também, sobre o fim da História.

Tudo isso para dizer que ser católica me traz um sentimento de nostalgia constante pelo que aconteceu. Mas não digo isso no intuito de querer fazer parecer que me angustio pelo período em que nasci ou algo do tipo: acreditamos que Deus, desde toda a eternidade, sabe o nosso momento exato no tempo. Portanto, eu nasci na época que deveria nascer. Aprendi isso enquanto lia o tópico “O intelectual pertence ao seu tempo", contido no primeiro capítulo de “A vida intelectual" do Sertillanges, onde ele nos diz: “Aproveitemos, vivos, o valor dos mortos. A verdade é sempre nova."

No dia em questão, fui com uma amiga ao Carmelo Nossa Senhora do Carmo, aqui em Brasília-DF, para visitarmos a urna que continha algumas relíquias de Santa Teresinha do Menino Jesus, vindas diretamente da França. A urna estava em peregrinação pelo Brasil em comemoração pelos 150 anos do nascimento da santa padroeira da França. 

A urna parecia uma catedral!

Foi muito emocionante, para mim, poder voltar ao Carmelo depois de 6 anos, agora, como devota de Santa Teresinha. Quando fui à primeira vez, lá em 2017, não fazia ideia de quantas semelhanças eu e Teresa carregávamos em nossas almas.

O dia estava nublado, mas estava bem cheio. O Carmelo possui uma beleza singular: fica um pouco isolado do barulho do mundo, cercado pela vegetação natural do cerrado brasiliense. 

Não posso negar que conventos e mosteiros possuem uma áurea misteriosa muito instigante: você percebe que há algo especial ali que te coloca em um silêncio tanto físico quanto espiritual. 

Quando chegamos a Missa estava terminando, mas ainda assim, conseguimos ouvir um pouco do coral das carmelitas, acompanhado por um singelo violino, que, por sinal, nos fazia sentir mais perto do Céu. As carmelitas são doces e carregam o Espírito Santo em sua voz e em sua fisionomia. Elas se isolam do mundo para estarem mais perto de Deus. 

Desta vez, eu pude conhecer um lugarzinho dentro do Carmelo chamado “A roda" que é um pequeno quartinho onde existe uma roda na parede que faz com que as Carmelitas e as pessoas aqui de fora possam passar objetos e coisas tanto para lá quanto para cá, sem conseguir enxergar o que se passa dos dois lados. Para quem não sabe, as carmelitas vivem enclausuradas. 

Trouxe esta rosa do Carmelo.

Ao entrar nesse quartinho, enviei uma oração particular por meio de um papelzinho escrito para que elas possam rezar pela minha intenção, assim como minha amiga também o fez. Neste momento, conseguimos conversar com uma carmelita muito querida: não vimos o seu rosto, mas a sua voz tão suave nos acolheu muito gentilmente. Espero poder vê-la no Céu. Ela também nos deu um calendário do Carmelo! Uma querida.

Ainda consegui comprar algumas lembranças na lojinha do Carmelo para pessoas especiais. As carmelitas costuram algumas coisinhas para vender nesta lojinha para poder ajudar nas despesas do Carmelo.

Saindo de lá, fomos ao Mosteiro de São Bento aqui de Brasília já que fica na mesma rua do Carmelo. 

Eu também havia ido ao Mosteiro há 6 anos no mesmo dia que fui ao Carmelo pela primeira vez. Já posso dizer que tenho uma tradição de visitar os dois lugares no mesmo dia? Hehe.

O Mosteiro, assim como o Carmelo, fica imerso na mata do cerrado apesar de estar bem perto das casas e do centro de Brasília. Aliás, essa é uma característica aqui da capital: sempre há um pouco de vegetação ao redor dos centros urbanos. Lá, no Mosteiro, escutamos o som dos passarinhos de todos os lugares e a parte da qual temos acesso é muito bonita em toda a sua simplicidade e austeridade.

Penso que se eu morasse perto do Mosteiro, gostaria de ir lá todos os dias para poder rezar. De dentro da Capela, podemos ouvir a natureza tão serena e calma. É um lugar acolhedor.

No Mosteiro, os monges mantêm uma loja incrível: nunca vi uma seleção de livros tão interessante (tirei fotos de vários livros para colocar na minha wishlist!). Lá, os monges vendem itens religiosos dos mais variados tipos; o pão que eles mesmo fazem por lá; chocolates e geleias produzidos em outros Mosteiros e Conventos e por aí vai... 


Eu não resisti e acabei comprando um ícone belíssimo de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro para deixar meu canto de estudos. Este ícone, e os demais que estavam à venda, são produzidos pelos monges do Mosteiro de Transfiguração, que fica no Rio Grande do Sul. Eles vendem online.

Aprendi que um outro nome para este título é "A Virgem da Paixão".

Ficamos um tempinho lá pelo Mosteiro, conseguimos rezar um pouco do terço e depois conversamos com o monge que estava na loja enquanto explorávamos e contemplávamos as belezas de tudo aquilo.

Até a próxima!

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Diário de leitura: Odisseia, de Homero (parte final).

Uma das sensações mais legais da vida é finalizar uma leitura e pensar: é, encontrei um dos meus livros preferidos. 

Há um ano, quando eu havia acabado de conhecer a narrativa dos épicos homéricos, eu fiquei extremamente empolgada com a história contada na Odisseia. Posteriormente, assisti uma entrevista do professor André Malta, onde ele explica algo interessante, que pode, de certa forma, explicar a minha empolgação: a Odisseia é a gênese dos gêneros literários modernos e, ao contrário da Ilíada, é mais simpática ao leitor moderno justamente por conta da similaridade dos elementos que encontramos em ambas construções literárias. 

A Ilíada é, de fato, mais bruta, mais dura, mais violenta. É preciso ter certo estômago para ler as descrições extremamente brutais que existem ali. Contudo, para balancear um pouco a narrativa do ciclo troiano, temos o Odisseu ou Ulisses (eu, particularmente, prefiro Ulisses) que, se utiliza da sua esperteza nata para driblar o mundo fantástico que o encontra na sua volta para casa. É de se impressionar a capacidade que Ulisses tem para criar histórias e vidas diferentes para si mesmo durante a jornada de volta para Ítaca. 

Na primeira parte deste diário de leitura, eu compartilhei algumas ferramentas que utilizei durante a minha experiência de leitura. Uma delas, a tabela da ordem de acontecimentos da Odisseia, considero como muito importante pois a estrutura da narrativa não é linear, pois retornamos ao passado algumas vezes durante a história.

Já o outro site que recomendei, o dos resumos de cada canto, não me acompanhou até o final já que conforme a história avança, eu consegui acompanhar a narrativa sem o auxílio dos resumos (o que não aconteceu na Ilíada, por exemplo). Contudo, ter um breve conhecimento prévio dos cantos antes de lê-los pode ajudar sim já que a Odisseia tem algumas divisões, como por exemplo, a Telemaquia, que é composta pelos primeiros quatro cantos do épico, sendo que nesta primeira parte, não nos deparamos ainda com o protagonista, mas sim com o seu filho Telêmaco, que está buscando por notícias do pai "desaparecido" a duas décadas. Portanto, considero que seja importante, antes de iniciar a leitura, entender a estrutura da obra, assim você vai conseguir se localizar melhor em relação aos acontecimentos: não se preocupe com spoilers. Conheça a história antes de lê-la.

Algo que também me ajudou muito durante a minha leitura foram as notas contidas na edição da Penguin. 

A mesma edição da Ilíada, ao contrário, não conta com notas de apoio. Vou me atentar quanto a isso nas minhas próximas leituras de clássicos maiores. Aliás, eu comprei o box da Penguin Companhia ano passado, na amazon, por 70 reais. Hoje, quase um ano depois, o mesmo box está custando 130 reais. Acho interessante e válido pontuar que a qualidade é baixa e depois de ler os dois livros contidos no box, fica simplesmente impossível colocar os dois livros nele novamente, é melhor deixar fora da caixa. Definitivamente não vale 70 reais, imagine 130.

Apesar disso, eu recomendo estas edições por conta da tradução feita pelo Frederico Lourenço. Esta tradução conta com versos livres, ou seja, o tradutor não se preocupou em seguir a métrica, o que torna a versão menos ritmada. Para os iniciantes (assim como eu) pode ser a melhor opção. Da próxima vez que eu for reler tanto a Ilíada, quanto a Odisseia, eu vou optar por traduções diferentes, que sigam a métrica.

Algo interessante que aprendi na aula que citei anteriormente é que, em Portugal, eles preferem utilizar Ulisses do que Odisseu e é por isso que, nesta tradução, o tradutor (que é português) utilizou Ulisses e manteve os demais nomes gregos. 

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Agora, gostaria de falar um pouquinho sobre a narrativa em si.

Existem duas grandes linhas narrativas se desenvolvendo na Odisseia: 

A primeira é a do próprio Ulisses que, durante dez anos, luta contra as intempéries que surgem em seu caminho na tentativa de voltar para a sua terra natal, Ítaca, após a guerra de Tróia. Acontece que o herói homérico é odiado pelo deus dos mares, Poseidon, que o atormenta por vingança já que durante uma das aventuras do Odisseu, ele assassina um dos filhos do deus, o ciclope Polifemo.  

The blinding of Polyphemus

Este episódio, narrado no Canto IX, tornou-se, sem sombra de dúvidas, um dos meus momentos preferidos da literatura até hoje. Ficamos desesperados para que Ulisses e seus companheiros consigam sair da caverna do monstro. Aliás, este é um dos pontos altos da narrativa no que diz respeito à astúcia do herói. Ulisses consegue escapar da morte inúmeras vezes utilizando não a força, mas, principalmente, a sua capacidade de pensar e elaborar estratégias para se safar das mais variadas situações. 

Em seguida, temos Éolo e o saco dos ventos, saco este que, ao ser desatado, poderia levar as naus de Odisseu de volta para casa com o auxílio dos ventos. Esse episódio também foi muito marcante porque quando o li pela primeira vez, imediatamente o associei a uma cena de um dos meus filmes preferidos da infância:

Qualquer semelhança não é mera coincidência, haha.
Eu amava esse filme!

Contudo, apesar de tantas narrações maravilhosas, o Canto XI ainda é o meu momento preferido da Odisseia. É neste Canto que acompanhamos a descida de Ulisses ao mundo dos mortos. Ali, o herói encontra-se com diversos companheiros de guerra da época da guerra, entre eles, o próprio Aquiles que possui uma das falas mais memoráveis do épico: 
Não tentes reconciliar-me com a morte, ó glorioso Ulisses. 
Eu preferiria estar na terra, como servo de outro, 
até de homem sem terra e sem grande sustento,
do que reinar sobre todos os mortos (XI, 488-491).

Nesta fala de Aquiles podemos enxergar nas entrelinhas o ideal de honra para o grego que encarna-se na necessidade de reconhecimento pós-morte. Para o homem homérico, a morte significa realmente o fim. Não há mais o que realizar do lado de lá. Trato um pouco deste assunto aqui.

Foi, aliás, neste momento da minha leitura que encontrei o podcast Noites Gregas. Eu estava em busca de algum material complementar para compreender um pouco mais sobre a mentalidade dos gregos acerca da morte e do submundo e encontrei um episódio maravilhoso que deixo aqui como recomendação.

Por fim, gostaria de destacar os reencontros que acontecem durante a narrativa: o encontro do Odisseu com o seu servo Eumeu; com o seu filho Telêmaco e, por fim, com a sua esposa Penélope, que tanto se destaca na narrativa devido a sua fidelidade ao marido. Estas partes, em especial destacam os dois elementos mais marcantes da Odisseia: a domesticidade a família.

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Sinto que poderia escrever sobre cada um dos Cantos! Contudo, esse não é o meu intuito. Por ora, vou ficando por aqui. Leiam a Odisseia! Garanto que não há como se arrepender. 

Até mais!


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Breves reflexões sobre o livro do Êxodo

Dando continuidade ao meu projeto de leitura da Bíblia, nestas férias consegui ler o Êxodo, segundo livro do Pentateuco. Foi a minha primeira vez lendo o Êxodo, mas assim como tantas outras histórias das Escrituras, eu já tinha certa noção da narrativa do livro já que as histórias bíblicas fazem parte do nosso imaginário, o que acabei conhecendo foram os detalhes. Estou bem empenhada em conhecer as histórias fundacionais da nossa civilização.

O Êxodo, em particular, me chama bastante atenção por conta do contexto histórico. Tenho um interesse particular pela Antiguidade: os costumes, o cotidiano e a cultura popular me chamam bastante atenção. Interessa-me ainda mais quando posso encontrar civilizações interagindo entre si, e é justamente o que acontece no Êxodo. 

O Êxodo, além de possuir um valor literário, possuí um valor espiritual e histórico extremamente relevante. Do ponto de vista literário, encontramos uma verdadeira odisseia dos israelitas rumo à terra a eles reservada por Deus. Da perspectiva espiritual, encontramos belíssimas prefigurações do sacrifício de Cristo. Já historicamente, podemos encontrar um breve retrato de uma sociedade do Oriente Médio no segundo milênio antes de Cristo. Afinal, toda narrativa pode ser, de certa forma, um retrato da realidade.

O Êxodo exige uma leitura atenta por parte do leitor, mas confesso que várias vezes durante a leitura senti certa dificuldade em continuar por conta das descrições detalhadas e por vezes repetitivas (contudo, devemos sempre ter em mente que na Bíblia cada palavra tem um porquê de estar ali). 

Iluminura do séc. XIV - Moisés recebendo as tábuas da Lei

Algo que também se tornou um alvo de reflexão para mim foi pensar o quão detalhista Deus É. Basta observamos a obra da criação. Ao admirar a beleza da natureza, a precisão do organismo humano e a grandeza do universo podemos contemplar, na medida da nossa capacidade, esta característica divina. No Êxodo, ao descrever o templo, Deus faz questão de ensinar didaticamente toda a arquitetura do templo e a procedência em relação aos sacrifícios que ali deveriam ser feitos. 

Deus, além de instruir o povo por meio de Moisés acerca de suas obrigações religiosas, também busca, por intermédio de Sua Providência, formar o caráter daquele povo durante os quarenta anos de peregrinação no deserto. Aliás, deserto este que pode nos traduzir realidades espirituais muito profundas e que não precisa e não pode ser visto, apenas, como um lugar de austeridade, mas como um lugar de profunda meditação e solitude: um lugar onde Deus nos comunica. Assim como o povo de Israel é conduzido às profundezas do deserto durante quarenta anos, Nosso Senhor Jesus Cristo também se direcionaria ao deserto durante quarenta dias. Tempo este que se traduz na Quaresma, tempo oportuno para adentrar no deserto espiritual com Jesus. 

Uma das minhas pinturas prediletas: Cristo no deserto (1872), pelo russo Ivan Kramskoy.

No deserto, imersos em um espírito de entrega a Deus, somos colocados diante à vontade de dEle que, por vezes, pode aparentar ser incompreensível, assim como o foi para os israelitas que questionavam Moisés acerca do porquê de tudo aquilo. É neste momento que Deus busca forjar o nosso caráter: por meio das situações em que Ele nos coloca. 

Nosso Senhor, sempre preocupado em nos ensinar didaticamente a Sua vontade, também se fez como nós, exceto no pecado, e se submeteu às tentações afim de nos mostrar como devemos reagir perante às dificuldades e momentos de aridez. Santo Tomás nos explica o porquê de Cristo ser tentado em suas meditações para a Quaresma.

Enfim, não foi proposital, mas finalizei minha leitura do Êxodo um dia antes da Quaresma deste ano se iniciar (sempre a Providência agindo). Fiquei muito feliz em ter lido em um momento tão propício para isso. De certa forma, senti meu espírito mais preparado para esse tempo tão rico que estamos vivendo. Agora sigo para o livro do Levítico.

Desejo uma ótima e frutífera quaresma a todos!

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Troca de cartas com amigas: o início de uma tradição

Véspera de natal de 2023.

Este ano foi surpreendente: muitas coisas aconteceram na minha vida. Muitas coisas começaram e muitas coisas terminaram. Nos últimos dias do ano, em meio àquele sentimento nostálgico e misterioso que circunda as festas de fim de ano, posso dizer que foi um ano de amadurecimento.

Apesar de me considerar uma pessoa comunicativa, a introspecção sempre foi um dos traços marcantes de quem sou. Já sofri muito com dois extremos: ou me isolava de tudo e todos, imaginando que ninguém me entenderia (baita presunção) ou tentar me moldar por completo para me encaixar em grupos dos quais eu nunca pertenci verdadeiramente. Hoje em dia, graças a Deus, estou encontrando o limite saudável entre isto e aquilo. Hoje não tenho mais medo da solidão e do silêncio.

Poderia intitular um dos capítulos deste ano como “Pessoas”. Ao longo de 2024 conheci pessoas muito especiais. Pela primeira vez em muito tempo deixei que os outros se aproximassem de mim. Acredito que tenho me tornado menos egoísta.

Duas pessoas, em especial, marcaram os meus últimos meses: a Ana e a Verônica. Algumas vezes durante os últimos anos, me peguei pedindo amizades a Deus. Que meus amigos não me entendam mal, mas eu pedia por amizades que partilhassem dos mesmos interesses que eu. Ele atendeu minhas orações e me enviou a amizade de duas pessoas que chegam a parecer minhas irmãs gêmeas em muitos aspectos! Melancólicas, super fãs de Taylor Swift e artistas! Nossos interesses em comum nos ajudaram a criar laços muito profundos de amizade.

Tudo começou com nosso gosto em comum pela a arte da Taylor. Estávamos tristes por não podermos ir a turnê da Taylor que passou aqui pelo Brasil em novembro. Por conta disso, surgiu a ideia de trocarmos cartas temáticas inspiradas nos nossos álbuns prediletos dela.

Nos inspiramos na estética de cada uma, usamos as cores e elementos que nos fazem lembrar uma das outras…


Registro das cartinhas que fiz. Para a Ana, me inspirei no mar e na estética dos álbuns “Lover”, “Red” e “1989”. Já na cartinha da Verônica, minha inspiração foram as florestas. Minha inspiração partiu dos álbuns “Fearless”, “Evermore” e “Speak Now.

Escrevemos, desenhamos, pintamos… tudo o que a gente mais gosta! O resultado foram cartinhas repletas de dedicação, talento e muita criatividade. Fomos no correio, enviamos as cartas e ficamos ansiosas pela espera dos nossos presentes. A experiência foi completa. Enquanto colocava meus pensamentos naquelas folhas, senti que uma tradição se iniciava.

A Verônica me enviou uma cartinha que me arrancou sorrisos sinceros. Sempre me lembrarei do carteiro chamando pelo meu nome com a carta em mãos.

Além de tingir o papel do envelope, ela me enviou uma aquarela reproduzindo uma foto da Taylor durante o álbum “Red”, conhecido pelos tons e estética outonal. Com a carta, também ganhei um cartão do Alfabeto Ilustrado que a Verônica ilustra e vende! A letra “E” nos recorda o álbum de 2020, intitulado “Evermore”. Ainda recebi uma dezena do terço que a minha amiga também fez com pedrinhas lindas e delicadas. Receber essa cartinha foi como receber um abraço.

Minha amiga tem um blog lindo e também compartilhou sobre essa experiência: aqui, ela registrou as cartas que fez para nos enviar, e aqui ela compartilhou as cartinhas que eu e Ana enviamos a ela (e que, por incrível que pareça, chegaram no mesmo dia!).

Para deixar toda essa memória ainda mais mágica, aconteceu que eu e a Ana trocamos nossas cartinhas na véspera do natal! Foi um presente duplo e, sem dúvidas, especial.

A Ana também faz aquarelas belíssimas e me enviou uma orquídea roxa nos remetendo ao álbum “Speak Now”, um dos meus prediletos. A foto nunca reproduziria a beleza dessa aquarela em mãos: a tinta roxa brilha delicadamente. A Ana faz colagens lindas e me enviou marca-páginas fofos que também remetem à estética de dois álbuns. Também recebi um cartão repleto de referências desse universo criado pela Taylor Swift.

Espero que alguém também se sinta inspirado e considere trocar cartas com pessoas queridas! Os carteiros também agradecem, haha.

Diário de leitura: Odisseia, Homero (parte I).

Janeiro de 2024.

Sete meses se passaram desde que finalizei a minha leitura da Ilíada e cá estou agora embarcando com as naus da Odisseia.


Confesso que quando conheci o enredo de ambos poemas, eu senti mais interesse pela Odisseia do que pela Ilíada e quase decidi lê-la primeiro. Dizem que a ordem de leitura dos poemas não importa muito, mas na minha cabeça não faz sentido ler a Odisseia primeiro já que cronologicamente ela se passa após os fatos narrados na Ilíada. Então já deixo aqui o meu conselho caso você esteja aí conjecturando sobre qual ler primeiro.

A Odisseia tem sido a minha leitura principal no momento e estou bem dedicada às páginas da obra, às vezes nem vejo as páginas passarem de tão interessante que vem sendo. Em cada canto algo surpreendente acontece: sejam feiticeiras, gigantes ou canibais. A Odisseia é um universo.

Antes da imersão na obra propriamente dita, recomendo a leitura de um breve resumo sobre o enredo. Sem frescura de spoilers, por gentileza… estamos falando de uma história datada de antes de Cristo. Isso te ajudará a não perder o fio da meada e a compreender melhor cada Canto. Por isso, recomendo dois sites que estou usando como apoio durante a leitura:

Neste artigo, o autor organizou um breve resumão sobre a obra, explicando os acontecimentos de cada canto. Leio os resumos antes de iniciar a leitura do próximo canto. 

Este (site em inglês), em específico, foi uma grande descoberta. Encontrei algumas informações interessantes e bem úteis, como uma linha do tempo da Odisseia e mapas da jornada de Ulisses. Recomendo que explorem o site, vale à pena!

Um color code simples.

Neste momento, estou prestes a iniciar o canto XI, sendo que a obra possuí XXIV cantos, assim como a Ilíada. Estou utilizando a edição da Penguin Companhia, que conta com a tradução do Frederico Lourenço. Ano passado, quando decidi ler a Ilíada, encontrei uma boa promoção do box que contava com as duas obras, e acabei comprando. Esta edição é conhecida pela linguagem mais acessível. Eu não conheço as outras então não posso falar sobre as diferenças, mas posso dizer que a linguagem utilizada nesta edição tem me ajudado a compreender e a acompanhar a narração com mais facilidade. Para os iniciantes (incluindo eu) nos poemas épicos, pode ser uma boa forma de começar.

Caso você possua interesse em ler a Odisseia, mas não se considere “preparado”, aproveito para dizer que existe muito material interessante para te ajudar nessa jornada. Não se assuste pela quantidade de páginas ou pelo vocabulário: existem muitas formas de tornar a leitura agradável! A edição da Penguin para a Odisseia, por exemplo, conta com notas de rodapé bem elucidativas.

Página de "O livro da mitologia", um presente de uma amiga querida.

Na próxima parte do diário de leitura, pretendo escrever sobre a história e as minhas partes preferidas até então.

Até a próxima!

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Chesterton, Dostoiévski & o subsolo.

Dezembro de 2023.

Uma das boas coisas deste ano foi ter iniciado um clube do livro com duas amigas muito queridas.

Como primeira leitura escolhemos Memórias do Subsolo, do Dostoiévski. Na minha jornada pela literatura mundial ainda não havia aterrissado na tão fria e distante Rússia.

Estou utilizando duas edições para a leitura da obra: a edição da editora 34 e a da Penguin Companhia.

Um dia desses estava fazendo uma listinha mental sobre títulos de obras que considero intrigantes e que me chamam atenção por alguma razão que não consigo identificar. Por enquanto, posso listar: O Morro dos Ventos Uivantes; Sonho de uma Noite de Verão; O Homem que era Quinta-Feira e Memórias do Subsolo. Vou me esforçar para pensar em outros.

Já havia escutado alguns comentários sobre as características da literatura russa e algo sempre me chamou atenção, não sei exatamente o que (ultimamente não tenho conseguido me expressar bem), mas sempre tive um pressentimento de que eu iria gostar da escrita russa. Acredito que as paisagens frias e inóspitas sempre me passaram algo de místico e misterioso. Algo bem único, diferente das áridas montanhas gregas e dos campos ingleses. A Rússia parece viver o inverno em todas as suas variações.

Pois bem… há uns meses o nome do Dostoiévski circundava as minhas possíveis leituras. Eu estava um pouco preocupada em como começar, mas percebi que depois de ter escolhido o primeiro em conjunto, nem considerei mais se era a porta de entrada ideal para o autor. Acolhi um conselho que vira e mexe escuto por aí: leia o que te causar curiosidade. E assim aconteceu. Cá estou eu já na metade do livro.

Eu ainda não vou escrever minha impressões sobre a obra, vou deixar isso para quando finalizar, mas quero comentar sobre como a leitura se conectou com primeiro capítulo de Ortodoxia, do Chesterton. O capítulo em questão se chama «O lunático».

Há uns meses li Ortodoxia e até comentei sobre o livro no texto anterior que publiquei aqui, mas confesso que não me envolvi com a leitura. Agora, alguns meses depois, reli algumas partes por acaso e consegui capturar outra camada da obra.

Acontece que as loucuras do lunático que o Chesterton expõe retratam perfeitamente a figura desconcertante do homem do subsolo.

A personagem do Dostoiévski encarna uma amargura sem igual. Um homem desfigurado: sem nome, sem noção, sem perspectiva, sem coração. A sua doença poderia se resumir em pensar demais. Descontroladamente e freneticamente. Chesterton o aconselharia a fazer uma «amputação intelectual»:

(…) Esta é a sua atitude: o homem deve parar de pensar, se quiser continuar a viver. O conselho é uma amputação intelectual. Se sua cabeça te faz pecar, corte-a; pois é melhor, em vez de simplesmente entrar no Reino dos Céus como uma criança, fazê-lo como um imbecil, do que ser lançado com todo o seu intelecto no inferno (…).

Esse homem desfigurado e inominável sofre de muitas formas. Uma das raízes desse sofrimento advém do fato dele ser um extremista. Ele não tem noção, não encontra o equilíbrio de absolutamente nada em sua vida. Ele usa o seu livre-arbítrio, e se gaba por isso, apesar de usá-lo da pior forma possível.

O próprio homem do subsolo descreve sobre como sempre isolou-se de tudo e todos, e sobre com optou pela solidão maligna. Acho isso interessante porque daqui podemos tirar uma boa reflexão: a realidade é uma escola. As ideias que o homem do subsolo tanto se gaba de possuir não servem de nada já que ele não tem onde aplicar essa sua suposta intelectualidade (também não serviriam de nada porque as suas ideias são ruins e não prestam). As ideias encontram seu lugar na realidade. Distanciar-se do mundo, das pessoas e das circunstâncias é partir rumo à apatia animalizante. O homem torna-se um selvagem longe dos outros.

Chesterton, ainda, cita três tipos de lunáticos

1. O lunático que acusa todos se conspirarem contra ele;

2. Aquele que exige reverência, que exige a sua coroa;

3. O louco que reivindica a sua divindade, a sua superioridade, que pensa ser o Cristo.

E o engraçado é que o homem do subsolo se encaixa nos três tipos! Acho cômico o episódio onde ele narra a obsessão pelo policial que esbarrou nele. A gente sente vergonha lendo aquilo.

Por fim, gostaria de escrever sobre a “riqueza de detalhes”. Chesterton nos fala sobre como àqueles à beira de um colapso mental conseguem recordar-se perfeitamente de detalhes. Diga-se de passagem que nem sempre isso é algo bom. O homem do subsolo se ocupa em lembrar até mesmo das coisas mais inúteis. Ele é um profissional em encher seu cérebro de vários nadas. Parece bobo dizer isso, mas não importa o quanto lembramos, mas sim, o que lembramos.

Ainda não finalizei a leitura, mas já posso dizer que estou animada para continuar explorando a Rússia.

Gostaria de recomendar uma resenha incrível feita pela minha amiga Verônica que, aliás, tem um blog incrível! Faço das palavras dela as minhas também.

Abraços!

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Estamos de mudança.

 Olá! Aqui é a Camila.

Voltei para o mundo dos blogs depois de 10 anos, quem diria! Sinto como se estivesse voltando para o meu país de origem depois de uma década fora. Venho sentindo que o instagram não está sendo tão confortável como eu imaginava. Sinto que com o blog temos o nosso próprio "terreno" na internet, um espaço realmente nosso.

Por isso, pretendo fazer deste pequeno refúgio virtual um espaço onde eu possa compartilhar as minhas impressões sobre a vida, sobre o mundo e sobre o que estiver acontecendo ao meu redor.

Por enquanto, estamos de mudança: estou trazendo os meus textos preferidos para cá. Aos poucos vou me reestabelecendo por aqui.

Até breve!

Qualquer caminho serve quando não se sabe para onde ir…

Agosto de 2023.


Acreditar na ideia de que a cada dia nos aproximamos, naturalmente, de um ideal de perfeição parece loucura demais. Não é preciso acompanhar nenhum tipo de noticiário para constatar isso.

Por mais que essa ideia tenha sido rejeitada, mesmo que parcialmente, o grande problema reside no fato de que essa mentalidade — fruto do verme positivista — penetrou de uma forma irreversível nas entranhas no percurso da mentalidade humana.

Inconscientemente, o futuro tornou-se inseparável do ideal de progresso positivo. Ou seja, um progresso que conduz, necessariamente, a uma melhora súbita. Digo isto porque nem sempre o “tempo progressivo” está ligado a ideia de algo melhor.

Huizinga defende que essa melhoria súbita e irreversível somente seria possível por meio de uma quebra, de uma ruptura abrupta composta por acontecimentos singulares, ou seja, por meio de uma revolução.

No seio dessa vestuta e sempre renovada ideia, a de uma simples reviravolta ou giro na sociedade, foi que originou a ideia de revolução.

A justificativa para as revoluções passa a existir no momento em que se passa a defender a possibilidade de substituição de um padrão. Basta pensar nas revoluções francesa, sexual ou marxista e em suas respectivas reivindicações.

O caminho a ser percorrido pelo homem tornou-se, como nunca, obscuro e tortuoso. Não há mapa ou bússola que guie o mundo atualmente. Não há um objeto fixo a ser almejado. O que há é uma série de desejos e ambições desordenadas que mudam constantemente. Encontramo-nos em um trem descarrilhado em direção ao mais completo nada.

Chesterton, em sua Ortodoxia, nos exemplifica perfeitamente esta questão:

O único sentido inteligível que o progresso ou avanço pode ter entre os homens consiste em ter uma visão definida, e sejar transformar o mundo inteiro à imagem dessa visão.

Lembro-me de ter lido, algum tempo atrás, algo como: “se você não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve”. Eventualmente, acabei descobrindo que a autoria da frase era de Lewis Caroll, escritor de Alice no País das Maravilhas. Dei uma risada na primeira vez que a li porque parecia tolice demais para ser levada a sério. Não conseguia entender como aquela frase tola poderia ser tomada como algo sério.

Mas a parte mais engraçada da história é que a tal da frase tola se tornou o resumo de como as coisas têm acontecido. O homem escolheu tudo, ou seja, qualquer coisa. Nas palavras do Chesterton: “É um marxista hoje, um nietzschiano amanhã, um super-homem, provavelmente, depois de amanhã, mas um escravo todos os dias.” (p.140).

E por conta disso tudo, só posso esperar que minhas escolhas sejam fortes o suficiente para que o meu Céu nunca mude.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Jane Austen e Padre Antônio Vieira: os efeitos do tempo sobre o amor.

Julho de 2023.

Fico muito feliz quando consigo estabelecer conexões entre as minhas leituras. Quando fiz a minha lista de livros para este ano não considerei essa possível ligação entre as obras, mas foi natural, acabou acontecendo.


Ao ter contato pela primeira vez com a escrita do Padre Antônio Vieira confesso que fiquei um pouco assustada. Era muito difícil de compreender. Relia várias e várias vezes e mesmo assim parecia obscuro demais. Decidi que seria melhor retornar à obra em um futuro oportuno. Apesar disto, consegui extrair preciosidades inesquecíveis das páginas que li.

O primeiro sermão tratava dos “remédios do amor”, ou seja, fatores que diminuem, consideravelmente, o amor humano, que é frágil e inconstante.

Os rémedios, pois, do amor mais poderosos e eficazes, que até agora tem descoberto a natureza, aprovado a experiência e receitado a arte, são estes quatro: o tempo, a ausência, a ingratidão e, sobretudo, o melhorar de objeto.

Alguns dias depois, iniciei a leitura de Persuasão da Jane Austen. Lá se iniciava mais uma das minhas tentativas de leitura da autora. Este foi o segundo romance dela que consegui finalizar e que, por sinal, tornou-se o meu preferido.

Anne Elliot, a protagonista, tornou-se, sem dúvidas, uma das minhas personagens prediletas de todos os livros que já li. Uma mulher introvertida, de temperamento meláncolico, sempre atenta ao seu exterior, mas nunca longe de si mesma.

A srta. Elliot havia sido pedida em casamento por Frederick Wenthworth oito anos antes da cena inicial do romance. Os dois se amavam profundamente, mas Anne foi persuadida por sua governanta a não se casar com Frederick, pois, na época, ele não tinha condições financeiras compatíveis com a de Anne. Após quase uma década, Wenthwort retorna ao seu antigo ciclo social e reencontra Anne pela primeira vez:

(…) Oito anos, quase oito anos haviam se passado desde que o relacionamento deles terminara. Que absurdo seria retomar a agitação que o tempo deveria ter eliminado! O que oito anos não são capazes de fazer? Eventos de todos os tipos, mudanças, distanciamentos, partidas, tudo, tudo podia estar contido nesse tempo, além do esquecimento do passado… O que é natural e correto também! Significava quase um terço de sua vida.

E o Padre dialoga:

O que era desejo se tornou subitamente em dor, o que era cegueira, em luz; o que era gosto, em lágrimas; e o que era amor, em arrependimento. E se tanto pode um ano, que farão os muitos?

Sabemos que o Amor divino é o único que não sofre os efeitos do tempo, pois vive imortal sobre a esfera da mudança, onde não chegam as jurisdições do tempo, como o Padre Antônio escreve. Mas ele também nos ensina que o amor que é verdadeiro tem obrigação de ser eterno e que se teve um fim, nunca teve sequer um princípio.

O amor humano só pode ousar se considerar Amor se se assemelha ou busca assemelhar-se com o Amor de Deus por nós.

Os sentimentos de Anne e Frederick provavam-se cada vez mais inevitáveis ao longo do romance: “A raiva, o ressentimento, o desejo de evitar sua companhia tinham desaparecido. E foram substituídos não apenas pela amizade e pela consideração, mas também pela ternura do passado. Sim, havia algo da antiga ternura. A mudança não poderia significar outra coisa. Ele deveria amá-la.”

Os livros eternos nos contam verdades eternas. Persuasão nos faz dialogar e refletir profundamente sobre a partipação do amor humano no Amor divino.

Não poderia encerrar esta breve reflexão sem compartilhar a belíssima carta de Frederick à Anne:

I can listen no longer in silence. I must speak to you by such means as are within my reach. You pierce my soul. I am half agony, half hope. Tell me not that I am too late, that such precious feelings are gone for ever. I offer myself to you again with a heart even more your own than when you almost broke it, eight years and a half ago. Dare not say hat man forgets sooner than woman, that his love has an earlier death. I have loved none but you. Unjust I may have been, weak and resentful I have been, but never inconstant. You alone have brought me to Bath. For you alone, I think and plan. Have you not seen this? Can you fail to have understood my wishes? I had not waited even these ten days, could I have read your feelings, as I think you must have penetrated mine. I can hardly write. I am every instant hearing something which overpowers me. You sink your voice, but I can distinguish the tones of that voice when they would be lost on others. Too good, too excellent creature! You do us justice, indeed. You do believe that there is true attachment and constancy among men. Believe it to be most fervent, most undeviating, in

F. W.

I must go, uncertain of my fate; but I shall return hither, or follow your party, as soon as possible. A word, a look, will be enough to decide whether I enter your father’s house this evening or never.

 



Diário da leitura: Ilíada, de Homero (parte final).

Julho de 2024.

Os quatro últimos meses por aqui foram de imersão no universo grego. Seja pela leitura da Ilíada, seja por conta dos estudos sobre a Grécia Antiga na faculdade. Os assuntos acabaram coincidindo, mas fico verdadeiramente triste por não poder me aprofundar mais nessas questões por agora.


O meu contato com a Ilíada me introduziu aos grandes clássicos da literatura. A curiosidade em conhecer a narrativa homérica surgiu com a minha leitura do Livro de Ouro da Mitologia, do Thomas Bulfinch. A pequena exposição sobre as duas epopeias homéricas na obra do Bulfinch me causou uma verdadeira vontade de poder conhecê-las e, então, com uma bagagem literária mínima, eu decidi que leria a Ilíada.

Pesquisei pelas edições disponíveis em português e acabei optando pela edição da Penguin com a tradução em versos livres feita pelo Frederico Lourenço. Acredito que a tradução mais fluída, que às vezes se assemelha à prosa, tenha me ajudado muito nesse primeiro contato com uma literatura tão rica e densa (o que, aliás, não deveria ser um impeditivo para ninguém que deseja ler a obra).

Ao contrário do que muitos pensam, a leitura da Ilíada não é difícil, mas desafiadora. Exige esforço e curiosidade.

Esforço porque ela não se revela facilmente e curiosidade porque ela exige que o leitor busque conhecer as entrelinhas.

Por que os deuses interferem tanto na guerra e favorecem alguns e outros não? Estas são algumas das perguntas que certamente exigirão respostas durante a leitura.

A epopeia homérica nos arranca da passividade e nos ensina a ter paciência. Levei 4 meses para finalizar a leitura e, às vezes, parecia interminável. Durante muitos dias me limitei à leitura de duas ou três páginas, o que, com certeza, me ajudou na assimilação da obra.

Essa experiência de leitura foi, com toda certeza, um verdadeiro exercício daquilo que aprendi com Sertillanges em A vida intelectual:

1. É preciso ler pouco:

(…) só lê o que pretende reter, só retém o que lhe deve servir, organiza seu cérebro e não o embrutece com uma carga absurda. (p. 133)

2. Devemos beber nas fontes:

Se observarmos com cuidado, os achados de pensamento são raros: o fundamento antigo, melhor dizendo, o fundamento permanente é o melhor; é nele que temos que nos apoiar para comunicar verdadeiramente com a inteligência do homem, longe das pequenas individualidades balbuciantes ou querelosas. (p.134–135)

Buscar a Verdade contida ali é o que deve nos motivar. Entender este fundamento permanente dos livros eternos deve ser o nosso alvo ao lê-los. Contudo, buscar e entender não basta. É necessário assimilar e, por fim, trazer à realidade.

Afinal, as ideias encontram-se na realidade. A ira de Aquiles e a lamentação de Príamo são o que se não a mais pura manifestação da vida e natureza humana?

Diário de leitura: Ilíada, de Homero (parte II).

Abril de 2023.

Se passou um mês e uns quebrados desde que escrevi a primeira parte deste diário. De lá para cá pouca coisa aconteceu por aqui. Mas em compensação, avancei consideravelmente na leitura. As últimas semanas sem redes sociais geraram bons frutos, um deles foi saber aproveitar as brechas no cotidiano para ler. 

Edição da Penguin Companhia.

Desde então, consegui adentrar mais na leitura, que tem sido, por vezes, fluída e, às vezes, arrastada. Não posso deixar de comentar do sentimento ocasional que surgia em mim durante a leitura de alguns trechos em específico que pareciam intermináveis.

Apesar disto, Homero nos recompensa inúmeras vezes durante a Ilíada. Uma dessas recompensas acontece no Canto VI, quando Heitor se encontra pela última vez com a sua esposa Andromâca.

A despedida de Heitor.

Confesso que a leitura dessa cena me causou uma agonia e um embrulho no estômago que eu não sentia desde que li o conto “Pai contra mãe”, do Machado de Assis. É um sentimento quase que dilacerador ver Heitor encontrando, mesmo sem saber, a esposa e o seu filhinho Astiánax, pela última vez. Somos conduzidos a sentir uma pena brutal pelo personagem justamente por sabermos do destino cruel que o espera alguns cantos a frente.

Em contrapartida, alguns trechos parecem eternos. As grandes descrições genealógicas dos soldados aqueus e troianos no meio das batalhas tornaram a leitura menos fluida para mim. Digo até que, em alguns momentos, senti vontade de pular algumas partes. De qualquer forma, a minha experiência de leitura tem sido memorável, inesquecível.

Também tem sido interessante compreender a estrutura da mentalidade e da cultura grega que tanto se manifestam na obra. Algo que tem me chamado bastante atenção é a percepção de divindade para os gregos. É estranho e curioso observar que os deuses gregos fogem completamente da nossa concepção cristã do que é divino.

Diversas vezes durante a leitura, nos deparamos com ações muito mais humanas do que divinas por parte dos deuses, seja a predileção por algum mortal, seja a ignorância ou a amargura enrustida que são refletidas nas suas ações, seja a ausência da onipresença por parte deles.

É justamente por essas e outras questões que devemos nos preparar, mesmo que minimamente, para a leitura desses grandes Clássicos. Acredito que o que tenha me ajudado tenha sido a minha leitura do “Livro de Ouro da Mitologia”, como também, a leitura dos textos de introdução à obra.

Agora, estou no Canto XIII, lendo sem pressa e sem previsão de terminar. Continuo fazendo minhas marcações utilizando o sistema color-code para me ajudar, assim consigo fazer pesquisas rápidas caso eu precise.

Definitivamente, ainda não tenho um personagem preferido justamente porque a história e os personagens oscilam muito, o que faz jus à natureza humana que é tão recorrente em todo o enredo. A todo instante somos colocados diante das nossas inconstâncias e fraquezas que são, perfeitamente, refletidas de alguma maneira em cada personagem.

Acredito que seja por este motivo e por vários outros que a Ilíada seja tão próxima de nós: ela é como um espelho do homem em sua mais crua realidade.

Até a próxima!