Dezembro de 2023.
Uma das boas coisas deste ano foi ter iniciado um clube do livro com duas amigas muito queridas.
Como primeira leitura escolhemos Memórias do Subsolo, do Dostoiévski. Na minha jornada pela literatura mundial ainda não havia aterrissado na tão fria e distante Rússia.
Estou utilizando duas edições para a leitura da obra: a edição da editora 34 e a da Penguin Companhia.
Um dia desses estava fazendo uma listinha mental sobre títulos de obras que considero intrigantes e que me chamam atenção por alguma razão que não consigo identificar. Por enquanto, posso listar: O Morro dos Ventos Uivantes; Sonho de uma Noite de Verão; O Homem que era Quinta-Feira e Memórias do Subsolo. Vou me esforçar para pensar em outros.
Já havia escutado alguns comentários sobre as características da literatura russa e algo sempre me chamou atenção, não sei exatamente o que (ultimamente não tenho conseguido me expressar bem), mas sempre tive um pressentimento de que eu iria gostar da escrita russa. Acredito que as paisagens frias e inóspitas sempre me passaram algo de místico e misterioso. Algo bem único, diferente das áridas montanhas gregas e dos campos ingleses. A Rússia parece viver o inverno em todas as suas variações.
Pois bem… há uns meses o nome do Dostoiévski circundava as minhas possíveis leituras. Eu estava um pouco preocupada em como começar, mas percebi que depois de ter escolhido o primeiro em conjunto, nem considerei mais se era a porta de entrada ideal para o autor. Acolhi um conselho que vira e mexe escuto por aí: leia o que te causar curiosidade. E assim aconteceu. Cá estou eu já na metade do livro.
Eu ainda não vou escrever minha impressões sobre a obra, vou deixar isso para quando finalizar, mas quero comentar sobre como a leitura se conectou com primeiro capítulo de Ortodoxia, do Chesterton. O capítulo em questão se chama «O lunático».
Há uns meses li Ortodoxia e até comentei sobre o livro no texto anterior que publiquei aqui, mas confesso que não me envolvi com a leitura. Agora, alguns meses depois, reli algumas partes por acaso e consegui capturar outra camada da obra.
Acontece que as loucuras do lunático que o Chesterton expõe retratam perfeitamente a figura desconcertante do homem do subsolo.
A personagem do Dostoiévski encarna uma amargura sem igual. Um homem desfigurado: sem nome, sem noção, sem perspectiva, sem coração. A sua doença poderia se resumir em pensar demais. Descontroladamente e freneticamente. Chesterton o aconselharia a fazer uma «amputação intelectual»:
(…) Esta é a sua atitude: o homem deve parar de pensar, se quiser continuar a viver. O conselho é uma amputação intelectual. Se sua cabeça te faz pecar, corte-a; pois é melhor, em vez de simplesmente entrar no Reino dos Céus como uma criança, fazê-lo como um imbecil, do que ser lançado com todo o seu intelecto no inferno (…).
Esse homem desfigurado e inominável sofre de muitas formas. Uma das raízes desse sofrimento advém do fato dele ser um extremista. Ele não tem noção, não encontra o equilíbrio de absolutamente nada em sua vida. Ele usa o seu livre-arbítrio, e se gaba por isso, apesar de usá-lo da pior forma possível.
O próprio homem do subsolo descreve sobre como sempre isolou-se de tudo e todos, e sobre com optou pela solidão maligna. Acho isso interessante porque daqui podemos tirar uma boa reflexão: a realidade é uma escola. As ideias que o homem do subsolo tanto se gaba de possuir não servem de nada já que ele não tem onde aplicar essa sua suposta intelectualidade (também não serviriam de nada porque as suas ideias são ruins e não prestam). As ideias encontram seu lugar na realidade. Distanciar-se do mundo, das pessoas e das circunstâncias é partir rumo à apatia animalizante. O homem torna-se um selvagem longe dos outros.
Chesterton, ainda, cita três tipos de lunáticos
1. O lunático que acusa todos se conspirarem contra ele;
2. Aquele que exige reverência, que exige a sua coroa;
3. O louco que reivindica a sua divindade, a sua superioridade, que pensa ser o Cristo.
E o engraçado é que o homem do subsolo se encaixa nos três tipos! Acho cômico o episódio onde ele narra a obsessão pelo policial que esbarrou nele. A gente sente vergonha lendo aquilo.
Por fim, gostaria de escrever sobre a “riqueza de detalhes”. Chesterton nos fala sobre como àqueles à beira de um colapso mental conseguem recordar-se perfeitamente de detalhes. Diga-se de passagem que nem sempre isso é algo bom. O homem do subsolo se ocupa em lembrar até mesmo das coisas mais inúteis. Ele é um profissional em encher seu cérebro de vários nadas. Parece bobo dizer isso, mas não importa o quanto lembramos, mas sim, o que lembramos.
Ainda não finalizei a leitura, mas já posso dizer que estou animada para continuar explorando a Rússia.
Gostaria de recomendar uma resenha incrível feita pela minha amiga Verônica que, aliás, tem um blog incrível! Faço das palavras dela as minhas também.
Abraços!
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