segunda-feira, 26 de maio de 2025

Notas sobre História da Arte: Grécia Arcaica e Clássica

Estou fazendo um curso do professor Ricardo da Costa sobre História da Arte Antiga e Medieval e apesar de estar fazendo anotações no meu caderno, pensei que seria legal e interessante deixar registrado aqui também algumas das minhas impressões sobre as aulas conforme for assistindo.

Uma coisa que o professor disse na primeira aula é que dentre os estudiosos de Humanas, o historiador da arte precisa ser o mais interdisciplinar e isso faz muito sentido já que uma leitura profunda dos objetos artísticos em questão exige um conhecimento que vai além da técnica propriamente dita: o estudioso precisa de conhecimento histórico, sociológico e, claro, cultural se quiser entender os mais profundos pormenores de qualquer peça de arte, sejam pinturas, sejam escultura ou o que quer que seja. 

Meu desejo é estudar mais profundamente a Grécia Antiga e será muito proveitoso para mim entender mais do desenvolvimento da arte na Antiguidade já que os objetos produzidos por eles que chegaram até nós são reflexos materiais do desenvolvimento das ideias que floresceram no seio do povo grego, a ideia de Beleza é um desses principais exemplos. 

Falando em Beleza, o professor trata bastante dessa questão dos conceitos transcendentais do ser refletidos na Arte. Aproveitei aqui para pegar o meu caderno anterior onde tenho mais anotações sobre essa questão e encontrei coisas interessantes: 

1. Cada potência da alma está destinada a um conceito transcendental do ser:
Verdade → Intelecto; Bem → Vontade; Beleza → Memória.
2. A Beleza resulta do somatório do Bem e da Verdade;
3. Algo Belo deve ser simultaneamente Bom e Verdadeiro;
4. A memória nos conduz às coisas belas.

Na Grécia Antiga, a busca pela Beleza foi se interiorizando com o passar dos séculos (junto com o conceito de virtude). Inicialmente, ser belo não era, necessariamente, ser bom (pelo menos como nós imaginamos). Tal questão se reflete nas estátuas e vasos do período Arcaico, onde os homens são retratados nus. O professor diz que, na Grécia, belo era o homem nu e que as mulheres não eram tidas como belas. Estas sempre eram retratadas vestidas e só posteriormente que começam a retratar Vênus/Afrodite despida. O universo da Beleza estava circunscrito ao universo masculino. 

O ideal de Beleza para eles estava ligado ao ideal de proporção e simetria. As primeiras estátuas são bons exemplos para entender como tal noção se desenvolve: percebemos que aos poucos as estátuas começam a ganhar mais movimento e, o mais importante talvez, o corpo começa a ser retratado mais realisticamente.

Na esquerda: Kleobis e Bíton (c. 580 a.C) de Polímedes de Argos.
Na direita: Discóbolo (c. 450 a.C) de Míron.

É interessante como toda a arte grega desenvolve-se: as estátuas ganham movimento e delicadeza, os vasos são aperfeiçoados por uma nova técnica, as colunas dos templos ganham curvas... e tudo isso me fez pensar mais uma vez sobre como as ideias regem o mundo material (... e voltamos para a analogia do texto anterior)

Posteriormente, na Grécia Clássica a noção de Beleza não estava mais estritamente circunscrita ao masculino e cita Platão como referencia para a questão da Beleza estar, agora, ligada ao Bem: quem se comporta bem é feliz. Agora o Belo passa a ter uma nuance moral, de excelência moral. 

Sobre os vasos gregos: me chamam atenção desde a leitura da Ilíada, pois eles aparecem muito nas cenas internas, nos palácios. Os vasos eram variados e utilizados para as mais variadas funções. Também eram dados como presentes e eram sinal de riqueza. Sobre a técnica dos vasos, o professor destaca a transição entre os vasos de figuras negras e figuras vermelhas e a consequente delicadeza e detalhes que os vasos ganham.


Processo de fabrição dos vasos
com figuras negras.



 
Aproveito para deixar aqui a recomendação de um artigo chamado Mélissa do Gineceu à Ágora do Fábio de Souza Lessa, onde o autor investiga mais a vida da mulher na Atenas Clássica. Ele também comenta sobre as figuras femininas dos vasos. 

É isso. Até a próxima!

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Trechos do capítulo “Gibraltar pela manhã" - Egito, Eça de Queiroz

Comprei este livro no sebo ano passado por indicação de uma pessoa (que não faço ideia de quem seja), mas que comentou que era um livro belíssimo, interessante e raro. Não lembro quanto paguei, mas valeu muito a pena. Esta edição que tenho aqui é portuguesa, de Lisboa, e é de 1945 (80 anos!).

Estava aqui na prateleira em cima da mesa e a peguei despretensiosamente para dar uma folheada já que estou tendo a matéria de História da África na faculdade. Já posso dizer que a beleza material do livro faz jus à beleza dos próprios escritos e é justamente por esta beleza que decidi escrever essas notas aqui (o livro tem 80 anos então não vai dar para escrever nele e por isso preciso externalizar minhas impressões já que só assim retenho melhor o que li). 

São notas de viagem que o autor português do século XIX fez em uma viagem de 2 meses, entre outubro de 1869 e janeiro de 1870, pela costa portuguesa e espanhola, pela ilha de Malta e, finalmente, pelo Egito.

Apreciem essa beleza comigo :)

Trechos de "Gibraltar pela manhã"

Quarta-feira - Outubro

[...]

O ar do Outono amarelecia e despojava levemente todo aquele povo de árvores. Passávamos por diante de cottages, de jardins, de pomares, e sempre, através dos ramos, para além das casas, entre as ramagens ou no entrelaçamento dos troncos, luzia, azul como uma pupila humana, a água infinita do Mediterrâneo.

[...]

Nada há igual à sensação de se caminhar assim entre arvoredos, vendo sempre reluzir o fino azul da água. Descansámos um momento num jardim cheio duma doçura infinita. Toda a sorte de árvores, de ramos delgados, se entrelaçam, se prendem e limitam o horizonte, deixando-o entrever apenas, sereno e azulado, para além das suas ramagens. E aquilo, ali, um centro suave, longe do mundo, estreito e ao mesmo tempo ilimitado, onde a vida e a sensação se espiritualizam e se confundem com o alto pensamento vital das coisas. A vida, o ruído, os soldados, os uniformes vermelhos, as trombetas, os véus das mouras – nada ali chega: uma muralha de árvores, de relvas de plantas, isola aquele lugar de contemplação. Só se vê o mar, o céu azul, as montanhas, tudo quanto é sereno e inefável. Nada da vida material ali cativa a alma. As finas sensações delicadas, as percepções inteligentes, florescem, envolvem o espírito. Senta-se a gente, e olha, e contempla: não tem ideias, nem observações, nem crítica – mas apenas uma vida inerte, tão divinamente passiva como a vida das coisas.

O mar, o céu, os montes, a luz, penetram-nos, vivem em nós, embalam-se e 6 resplandecem na nossa alma. Sente-se que aquela região deve ser habitada por espíritos. Pensa-se apenas em coisas leves, onduladas, transparentes: em linhas puras, em sensações simples – e a nós, homens inquietos e nervosos, corroídos pelas aflições da realidade e pelas dores do trabalho, a primeira ideia que nos vem é a de esquecer, ficar ali esperando a vida, como a esperavam as antigas almas dos poemas de Homero nas serenas e nubladas regiões inferiores! Ali, se o homem pensasse em construir, só lhe lembraria a linha pura, a reta suavíssima ou a lenta curva toda aberta ao dia e à luz. Se o homem pensasse em soltar a voz, fá-lo-ia cantando – e parece que todo o pensamento humano deveria ter naquelas paragens a modulação natural dum verso de Virgílio. Ali, as coisas imensas têm a perfeição das coisas delicadas: o mar lembra uma pervinca (1), o céu uma ametista. Aquela região é a pátria das almas. 

Imagem aérea de Gibraltar


(1) A cor azul pervinca e a flor que recebe o mesmo nome.