Comprei este livro no sebo ano passado por indicação de uma pessoa (que não faço ideia de quem seja), mas que comentou que era um livro belíssimo, interessante e raro. Não lembro quanto paguei, mas valeu muito a pena. Esta edição que tenho aqui é portuguesa, de Lisboa, e é de 1945 (80 anos!).Estava aqui na prateleira em cima da mesa e a peguei despretensiosamente para dar uma folheada já que estou tendo a matéria de História da África na faculdade. Já posso dizer que a beleza material do livro faz jus à beleza dos próprios escritos e é justamente por esta beleza que decidi escrever essas notas aqui (o livro tem 80 anos então não vai dar para escrever nele e por isso preciso externalizar minhas impressões já que só assim retenho melhor o que li).
São notas de viagem que o autor português do século XIX fez em uma viagem de 2 meses, entre outubro de 1869 e janeiro de 1870, pela costa portuguesa e espanhola, pela ilha de Malta e, finalmente, pelo Egito.
Apreciem essa beleza comigo :)

Trechos de "Gibraltar pela manhã"
Quarta-feira - Outubro
[...]
O ar do Outono amarelecia e despojava levemente todo aquele povo de árvores.
Passávamos por diante de cottages, de jardins, de pomares, e sempre, através dos ramos,
para além das casas, entre as ramagens ou no entrelaçamento dos troncos, luzia, azul
como uma pupila humana, a água infinita do Mediterrâneo.
[...]
Nada há igual à sensação de se caminhar assim entre arvoredos, vendo sempre
reluzir o fino azul da água.
Descansámos um momento num jardim cheio duma doçura infinita. Toda a sorte
de árvores, de ramos delgados, se entrelaçam, se prendem e limitam o horizonte,
deixando-o entrever apenas, sereno e azulado, para além das suas ramagens. E aquilo,
ali, um centro suave, longe do mundo, estreito e ao mesmo tempo ilimitado, onde a vida
e a sensação se espiritualizam e se confundem com o alto pensamento vital das coisas.
A vida, o ruído, os soldados, os uniformes vermelhos, as trombetas, os véus das mouras
– nada ali chega: uma muralha de árvores, de relvas de plantas, isola aquele lugar de
contemplação. Só se vê o mar, o céu azul, as montanhas, tudo quanto é sereno e
inefável. Nada da vida material ali cativa a alma. As finas sensações delicadas, as
percepções inteligentes, florescem, envolvem o espírito. Senta-se a gente, e olha, e
contempla: não tem ideias, nem observações, nem crítica – mas apenas uma vida inerte,
tão divinamente passiva como a vida das coisas.
O mar, o céu, os montes, a luz, penetram-nos, vivem em nós, embalam-se e
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resplandecem na nossa alma.
Sente-se que aquela região deve ser habitada por espíritos. Pensa-se apenas em
coisas leves, onduladas, transparentes: em linhas puras, em sensações simples – e a nós,
homens inquietos e nervosos, corroídos pelas aflições da realidade e pelas dores do
trabalho, a primeira ideia que nos vem é a de esquecer, ficar ali esperando a vida, como
a esperavam as antigas almas dos poemas de Homero nas serenas e nubladas regiões
inferiores!
Ali, se o homem pensasse em construir, só lhe lembraria a linha pura, a reta
suavíssima ou a lenta curva toda aberta ao dia e à luz. Se o homem pensasse em soltar a
voz, fá-lo-ia cantando – e parece que todo o pensamento humano deveria ter naquelas
paragens a modulação natural dum verso de Virgílio.
Ali, as coisas imensas têm a perfeição das coisas delicadas: o mar lembra uma
pervinca (1), o céu uma ametista. Aquela região é a pátria das almas.
(1) A cor azul pervinca e a flor que recebe o mesmo nome.