segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Comentários sobre Emburrecimento Programado, de John Taylor Gatto

Finalizei a leitura deste livro dias depois de ter finalizado o meu estágio no Ensino Médio. Confesso que me senti meio rebelde de estar lendo um livro contra o sistema educacional atual dentro de uma sala de aula. Acho que foi o maior ato de rebeldia que já cometi na minha vida (risos).

Este livro já estava na minha lista de desejos da Amazon há um tempo, mas acreditei que seria uma boa hora lê-lo agora por duas razões: 1) porque estava fazendo estágio obrigatório e porque estava lendo livros nesta temática de educação neste segundo semestre do ano; 2) porque estou me procurando um tema para escrever um novo artigo científico sobre educação.

Apesar de ser pequeno e possuir uma linguagem bem simples, o livro é um tanto quanto intragável no sentido de que, dependendo do leitor, você pode acabar duvidando do autor ou pode acabar achando que ele exagerou um pouco. O autor, que foi professor da rede de ensino americana por mais de 30 anos, ficou conhecido pelos seus discursos contra a educação em massa. Parece que muita gente tirou os filhos da escola depois de ler este livro.

É importante saber que o livro não busca ser extremamente teórico ou acadêmico no sentido de oferecer fontes e dados das pesquisas que ele cita. Ele só queria desabafar✩ (e dá para sentir aquela raivinha do coração em certos pontos). O que é interessante, e chocante ao mesmo tempo, é o fato de que o autor foi super condecorado pelo trabalho que fazia nas salas de aula. Acontece que, como ele mesmo diz, com o passar do tempo, ele foi se tornando critico do próprio trabalho e do ambiente. Foi percebendo que estava meio que tapando o sol com a peneira. 

A quase raiva que ele expressa durante o livro se traduz em afirmações categóricas bem polêmicas contra o sistema. Fico até impressionada em como esse discurso mais critico dele ganhou tanta atenção (acredito que no Brasil as coisas seriam BEM diferentes). Deixo aqui algumas destas partes:

"Crianças bem-sucedidas pensam aquilo que lhes mando pensar com mínima resistência e uma demonstração adequada de entusiasmo. Dos milhões de coisas importantes a se estudar, eu escolho as poucas para as quais temos tempo. Na verdade, isso é decidido pelos meus empregadores anônimos. Essas escolhas são deles — por que eu me oporia? A curiosidade não é importante no meu trabalho, apenas a conformidade."

"As escolas ensinam exatamente o que se pretende que ensinem, e fazem isso muito bem: como ser um bom egípcio e permanecer no seu lugar da pirâmide."

"A escola é uma sentença de prisão de doze anos em que maus hábitos são o único currículo verdadeiramente aprendido. Eu ensino escola e sou premiado por isso. Eu sei como funciona."

Não acredito que estas falas tenham a intenção de chocar o leitor ou o ouvinte porque o que ele narra ou defende, de fato, acontece. Basta passar alguns dias em uma escola, seja pública ou privada, para ver que estas acusações se confirmam. Alias, vou até citar minha experiência de leitura aqui: eu li este livro durante o meu estágio obrigatório, como comentei no início, e foi engraçado já que, às vezes, ao levantar a cabeça eu enxergava a materialização daquelas acusações bem na minha frente. Salas de aula são lugar de confusão, desordem e indiferentismo. Ah, e como o autor diz: os alunos são a-históricos, pois em uma escola os alunos vivem num constante presente. Não existe hierarquia entre os horários e os assuntos, tudo é sempre a mesma coisa.

De maneira geral, ler o livro foi bom. Em alguns momentos confesso que fiz careta ao ler algumas ideias do autor, mas tirando isso, recomendo para aqueles que gostariam de entender de forma superficial a dimensão da crise educacional que, aliás, é só mais uma das facetas da crise civilizacional em que nos encontramos. Mesmo sendo escrito na década de 80 e nos Estados Unidos, o livro permanece atual e próximo à realidade brasileira já que o espírito liberal e massificado da educação paira sobre as duas circunstâncias.

A ideia central do livro poderia se resumir em dizer que, para o autor, as escolas não educam, mas escolarizam. 


4 comentários:

  1. Exatamente!! Eu fico até um pouco mal, me sentindo um tanto impotente por pensar "que diferença faz, eu me preocupar, estudar e aplicar uma metodologia diferente, um conteúdo abordado de forma diferente, se o sistema vai achar algum modo de bagunçar e julgar a história/ordem das coisas novamente?" Mas assim, sei que às vezes uma pequena mudança pode fazer a diferença na vida de alguém, por isso fico feliz de ter encontrado pessoas como vc Camila! E tenho sempre esperanças que, de pouco em pouco a gente acha uma ovelhinha perdida e a leva para perto do pastor!

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  2. Sim sim! Temos sempre que pensar no que está no nosso alcance, né? Fazer o melhor que estiver no nosso alcance, pelos nossos futuros alunos e pelas pessoas ao nosso redor já é fazer o que Deus nos pede. Tenho certeza que Deus se alegra com nosso empenho por mais que pareça insignificante aos olhos do mundo <3

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  3. Como alguém que veio de escola pública a vida toda, devo dizer que sim, o ambiente escolar, ainda mais público, tende a ser bastante hostil - tanto em sua estrutura como também em seu ensino.

    Não ironicamente, o que me fez querer ficar longe da licenciatura foi justamente essa parte. Educar é difícil, requer paciência, requer tempo. E parece que na sociedade agitada que vivemos devido a consequências de tantas revoluções e guerras, nos gerou uma espécie de mecanismo de defesa em sempre querer estar correndo contra o tempo e lutando contra ele; fazendo de tudo menos tendo a paciência de "criar". No criar, o sentido que falo é mais na questão de formação plena do ser humano, do seu intelecto e da sua forma de pensar.

    Eu não vou entrar numa rixa da polarização política entre dois lados que tem dividido nosso país há vários anos, embora eu saiba que tudo ao nosso redor é político, não posso fechar os meus olhos diante da minha própria expressão crítica de que ambos os lados da política, infiltrada no meio do ensino (que já é hostil devido às circunstâncias e contexto que cada escola se insere em uma comunidade) tornou-se um campo de batalha para cada educador/docente/pedagogo ter que lidar. Porque se o ensino nem sequer é letrado corretamente, nem sequer é ensinado a se interpretar corretamente, como se espera que entendam coisas mais complexas como a política tão caótica da sociedade?

    Enfim, esse texto me fez pensar. Acho que cada um ultimamente tem tido várias opiniões sobre como a educação deve ser ou não, e infelizmente, quase nunca vejo esse palco e lugar de fala sendo dado pra quem realmente deveria: o docente.

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    1. Oi, Dulce! Seu comentário me fez lembrar de uma frase de uma das minhas leituras deste ano: "A educação não pode desempenhar papel nenhum na política, pois na política lidamos com aqueles que já estão educados." (Hannah Arendt no livro Entre O Passado e O Futuro, p. 225).
      Obrigada pelo comentário <3

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