Ivan Ilitch personifica o arquétipo do homem materialista que busca o porquê das realidades visíveis em si mesmas. Seja no casamento, na relação com os filhos ou no próprio trabalho: a matéria por si basta.
Como um bom egoísta, Ivan coloca o próprio trabalho como centro de tudo já que somente neste âmbito de sua vida miserável ele pode admirar a si mesmo sem precisar olhar para qualquer outra coisa que não seja o próprio umbigo. Pensar na esposa e nos filhos? Nem pensar. Isso diminuiria as suas chances de uma vida tranquila e agradável que tanto desejava. As relações com outros além de si mesmo não passavam de meros contratos sociais necessários para manter o seu status na decadente sociedade russa do século XIX.
Acontece que Ivan Ilitch só percebe a sua tamanha miséria nos últimos meses de sua vida enquanto a morte se aproximava vagarosamente através de uma doença lenta, dolorosa e silenciosa. E é somente diante do sofrimento extremo que a personagem da novela de Tolstói se questiona, pela primeira vez, o porquê daquele sofrimento tão cruel logo com alguém que havia vivido de forma tão sensata e correta: "mas eu fiz tudo o que deveria ser feito", repetia a si mesmo em meio à morte.
A crueza da novela de Tostói tem o seu ápice nas últimas páginas onde Ivan Ilitch se depara com as questões mais fundamentais que cercam a natureza humana e transpassam tempo e espaço justamente no momento de sua morte onde, talvez, fosse tarde demais para que ele mudasse algo já que se encontrava no estado mais miserável que poderia estar.
Sim, eu tinha a vida, e agora ela está indo embora, indo embora, e eu não consigo detê-la, Sim. Por que me enganar? Por acaso não é visível a todos, exceto a mim, que estou morrendo? A questão é só o número de semanas, de dias - talvez agora mesmo. Antes havia luz, mas agora há trevas. Antes eu estava aqui, mas agora vou para lá! Para onde?” Foi tomado por um frio, a respiração parou. Ouvia só as batidas do coração.
“Eu não existirei mais, então o que será? Não será nada. Então onde eu estarei quando não existir mais? Será mesmo a morte? Não, não quero.”
Ivan assiste, diante de sua própria consciência, o seu império de conquistas materiais se desfazendo diante dos próprios olhos. Já era tarde demais para tentar se agarrar a algo que não fosse a própria doença e o desespero que o cercava. Fiquei pensando sobre quantas vezes esse cenário se repete por aí todos os dias e quão angustiante deve ser tentar encontrar um sentido para vida no momento da morte.
Esta leitura entrou na minha lista de livros que mais me fizeram pensar. Foi o meu primeiro contato com a obra do Tolstói e me surpreendi com a linguagem tão direta e objetiva que encontrei na leitura em questão. Veja bem, linguagem direta e objetiva não quer dizer inferior, mas muito pelo contrário: a perfeição da obra se encontra justamente no fato de que em poucas páginas e de forma tão direta, o autor consegue nos fazer refletir sobre questões tão complexas e profundas. A execução da obra é uma coisa magistral. Acredito que essa leitura seja uma ótima porta de entrada para os clássicos.
Eu não posso deixar de pensar em outras leituras que fiz e que me fizeram pensar sobre coisas semelhantes. Eu só posso dizer que viver como o Ivan Ilitch (sem orientação e motivo para fazer qualquer coisa) me parece ser a receita mais dolorosa para a loucura. Acontece que muitos se dão conta disso antes de morrer e conseguem lutar contra o tempo, mas muitos (como no caso da leitura), só descobrem isso tarde demais... fora os que nunca descobrem isso. Que triste. Mas que bom que o Tolstói pôde escrever esse livro tão triste e angustiante para nos fazer pensar nisso. A literatura realmente é poderosa: nos faz ir encontro com as mais diversas possibilidades da realidade. Seja essa realidade feliz, triste, angustiante, esperançosa. Os bons livros nos fazem pensar sobre as Verdades eternas.
No fim, esse livro me fez pensar sobre como precisamos dotar nossa vida de sentido e fazer com que as coisas sejam feitas com amor e pelo Amor. Só assim podemos encontrar descanso em meio a tanta desordem. Para mim, enquanto católica, ficou bem claro que esse livro não é sobre angustia ou desespero, mas sobre esperança. Deus nos presenteia com o tempo, com o dom da vida e com a inteligência. Estes três presentes precisam ser utilizados em conjunto para a honra e glória de Deus.
Dotar a vida de sentido: eis o que ficou para mim de A morte de Ivan Ilitch.
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