quarta-feira, 17 de abril de 2024

A Consolação da Filosofia, de Boécio: um dos livros mais belos já escritos

Acusado injustamente. Condenado à morte. Torturado. Privado de seus bens e de sua família.

Foram nestas circunstâncias, tão desagradáveis e desfavoráveis, que nasceu uma das obras mais belas já escritas. Longe da tranquilidade proporcionada pelo seu alto cargo no Estado romano, Boécio, hoje então reconhecido como São Severino Boécio, escreve A Consolação da Filosofia face à amarga e cruel morte que o esperava.

O que fazer quando o futuro já parece tão certo e inevitável? O autor da Consolação não poupou esforços nem mesmo em meio à sessões de tortura para que tal obra fosse escrita. Aqui, encontramos uma obra de formato peculiar e atípico já que Boécio mescla a narrativa em prosa com a poesia que, inclusive, dá forma à versos profundamente influenciados tanto pela herança da filosofia clássica quanto pela visão católica acerca do universo. A síntese realizada pelo aristocrata romano em sua obra é mais um exemplo de como a tradição católica foi capaz de reverenciar a sublime herança deixada pela cultura greco-romana. 

Boécio, ao rechear sua obra de referências mitológicas, nos faz mergulhar em meditações extremamente profundas e intrigantes sobre o tempo e o universo. O livro, que tem o próprio autor como personagem principal, nos coloca como espectadores em uma conversa que a própria Filosofia personificada como mulher teria tido com Boécio já no corredor da morte.

O Boécio-escritor, já conformado com o futuro que o esperava, aproveita os últimos momentos de sua vida terrena para questionar a Filosofia acerca das aparentes injustiças do mundo que costumam intrigar as pessoas. Contudo, Boécio, em sua erudição admirável, já tinha as respostas para estas perguntas e o que ele faz na obra é justamente suspender o conhecimento do Boécio-escritor, como um recurso literário, para colocar-se junto a nós, leitores, que podemos passar pelas mesmos questionamentos.

Mesmo imerso em uma tragédia inevitável, a da morte injusta e precoce , o autor nos tranquiliza de certa forma. É impressionante pensar que alguém na situação dele poderia nos entregar algo tão belo e sublime. 

Acredito profundamente que essa serenidade que Boécio experimentou nos últimos dias de sua vida só é reservada àqueles que creem e esperam pela consolação eterna de suas dores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário